Rota Quatorze

PLANOS

Se o espaço é infinito, estamos em qualquer ponto do espaço.
Se o tempo é infinito, estamos em qualquer ponto do tempo.
Jorge Luis Borges

Manoel Novello, arquiteto por formação, tem em sua poética a geometria, as cores vibrantes, a luz e o movimento. As retas convidam o olhar a seguir pelos espaços criados, pelas intercessões, por novos planos. Transitando com intimidade entre pontos e retas, o artista propõe, a cada obra, novas percepções. São pinturas ou instalações tridimensionais que revelam interesses e contam de aprendizados.

Se fosse possível usar apenas dois conceitos para falar do trabalho de Novello, escolheria o seu constante empenho em construir a forma justa e a procura do equilíbrio. A paisagem urbana, que tantas vezes Manoel trouxe para as telas, seria esse lugar mais humano, mais justo, fiel à perfeição do universo. A obra de Novello segue caminhos bem definidos e suas pesquisas levam a experiências que provocam o espectador despertando pensamentos intrínsecos ao mundo em que vivemos. “Um mundo denso ou físico onde tudo é preso ou gira em função da força da gravidade”, comenta o artista cujo olhar inquieto percebe e questiona, constantemente, o entorno. É nesse diálogo entre artista e espectador que reside o desenvolvimento da obra. Em seus trabalhos sempre estiveram presentes retas que se cruzam, cores que dizem mais do que a figuração e um projeto desafiador que precede a execução primorosa. A trajetória da linha é segura e quem se dispuser a segui-la vai se surpreender, pois o pensamento construtivo do artista encontra atalhos e supera barreiras.

Em Planos, Manoel Novello explora a ideia do conjunto de retas alinhadas, formadoras de uma superfície plana, que não faz curvas e é infinita em todas as direções. A diversidade das cores e a singularidade do projeto remetem não apenas à geometria, mas, certamente, e de modo mais intenso, à construção de formas e espaços equilibrados, onde tudo contribui para representar sua visão de mundo. Para Novello a imagem deve ser uma forma de discurso, uma clara trilha a ser percorrida para falar de tantas verdades.

Isabel Portella

Pessoas e Espaços

“Nos quadros, só a cor sem claro-escuro constitui
a própria vida do quadro. Antidestrutivo,
analítico. A cor é função do espaço.”
Robert Delaunay

Em seu livro, Pintura e Sociedade, Pierre Francastel elabora em três capítulos, a partir do quattrocento até o impressionismo, a “construção e destruição” do espaço plástico, e conclui, por fim, que essa alternância de ações é reflexo do nosso estar no mundo, de como encaramos os novos conhecimentos científicos, tanto quanto é relativa aos nossos valores de sentimento e desejo, sendo inexorável a contínua criação do espaço imaginário para o qual afluem concepções e costumes. O artista é o principal articulador dessa práxis fascinante que se estabelece a cada nova rodada de conhecimento, não que esse dado vigente seja capaz por si de engendrar um conceito, ao contrário, é uma atitude do artista diante da inovação que determina a revolução.

Na afirmativa de Delaunay sobre a cor ser função do espaço, podemos abordar esse enunciado como uma regra matemática em que cada elemento de um conjunto se relaciona a um único elemento de outro conjunto, logo despertamos para o entendimento de que cor possui uma qualidade autônoma que encontra seu correspondente sobre o espaço que ocupa gerando o que se denomina “campos de cor”, presentes em suas pinturas, um estudo que é legado para gerações posteriores que dinamizaram essa prática.

Pedro Mandarino e Leo Stuckert são dois artistas que ressemantizam esse patrimônio pesquisado por Francastel e mesmo os espólios tirados de Delaunay, entre outros, obviamente. Mandarino possui séries retratistas que remontam a tradição renascentista no que tange não a interpretação visual de um indivíduo, ou sua face como imagem vívida de si, mas como devoção pessoal a amigos queridos, atores e atrizes e músicos que, de alguma maneira, tocam sua vida e adquirem um novo sentido nas recriações imagéticas que propõe variando em fundos monocromáticos, ou divididos em faixas de cor; figuras que olham para além do plano ou simplesmente nos encaram intimamente. Figura e fundo em contraponto. Stuckert, em um primeiro momento, cria imbricações em planos fechados de lugares definidos por um recorte particular, pessoas e espaços anônimos tecnicamente resolvidos com a simples transferência de imagens (ou seriam memórias?) sobre telas às quais confere caráter pictórico imprimindo seu próprio gesto sobre a superfície com planos que vão se sobrepondo e se perdendo, distinguindo-se assim de um segundo grupo de trabalhos em que pulsam campos de cor e linhas coloridas, sem, contudo, perderem a referência imagética que se descobre nesse grupo variante daquele primeiro, agora inebriado pela ostentação cromática.

O encontro desses dois artistas que dividem o palco em comum acordo entre suas diferenças resgata histórias de outros tantos artistas que também fracionaram seu tempo e trabalho entre si, embora nem sempre em feliz comunhão. Ao contrário, para além da fogueira das vaidades, Mandarino e Stuckert não apenas apoiam a produção um do outro como compartilham a mesma fé que a arte inspira na possibilidade do encontro e do entendimento de visões diversas para a humanidade. Pessoas e Espaços é a proposição conscienciosa de que é possível viver, conviver e transcender.

Osvaldo Carvalho